A primeira aprendizagem sobre o mundo das flores na Quinta de Sant’Ana
Foi o tema da sustentabilidade que deu a Ann e James o empurrão final para considerarem o cultivo de flores. Digo “final”, porque como jardineiros e apicultores, sempre esteve nos planos, mas o próspero negócio de casamentos e a crescente produção de vinho mantinham-nos muito ocupados. Em 2018, o ano em que concluímos a certificação biológica dos vinhos, foi o ano em que o a estufa foi montada, as primeiras sementes foram germinadas e as fileiras de flores foram plantadas no vale, aninhadas entre o nosso Merlot, Aragonez e o pomar. Com a certificação das vinhas, e ao mesmo tempo que produzíamos mel biológico, legumes, e trabalhávamos arduamente para replantar variedades de árvores autóctones em vez de eucaliptos, parecia hipócrita continuar a comprar flores da Holanda. Flores que, muito provavelmente, tinham crescido em África ou na América do Sul, pulverizadas com pesticidas e fungicidas e depois transportadas à volta do planeta para serem revendidas na Holanda.
Se estávamos a tentar defender a filosofia biológica na Quinta de Sant’Ana, usar estas flores já não fazia sentido.
Entretanto a Ann tinha notado uma mudança na preocupação dos noivos em escolher opções mais sustentáveis para o seu grande dia. Os nossos casais estavam a dar mais ênfase às opções locais. Uma vez que os casamentos são eventos “semi-públicos”, com muita cobertura nas redes sociais e partilhas, os nossos casais, que já estavam a ser criticados por terem um casamento fora do seu país de origem, não queriam também ser associados à má fama da indústria das flores a granel.
Por fim, do ponto de vista artístico, a Ann admite que sempre preferiu trabalhar com flores e verduras locais, com flores silvestres e ervas que lhe recordavam quando era criança, quando passeava com a família, com flores que lhe falam, que ostentam aromas nascidos na natureza, intocados por químicos e, correndo o risco de soar um pouco cliché, com flores que têm alma.
O projeto floral desde 2018
Estimulados por pessoas como Erin Benzakein da Floret em Washington e tendo completado cursos com Georgie Newbery da Common Farm em Somerset, a Ann e o James tiveram uma excelente colheita de flores em 2019. O ano de 2020 começava em força, e prometia ser um ano repleto de casamentos, eventos, convidados e provas de vinho. Mal sabíamos nós, e ainda bem que não sabíamos, que não iríamos receber um casamento durante 22 meses, de outubro de 2019 a setembro de 2021. A pandemia obrigou a nossa equipa das flores a mudar de rumo e a procurar outros pontos de venda para o abundante campo de lindas flores.
Vendemos a floristas em Lisboa e entregámos encomendas de bouquets em toda a região de Lisboa e litoral – muitos eram presentes de familiares que não se podiam encontrar, outros eram mimos para pessoas que precisavam de algo para as animar durante a quarentena. A procura das nossas belas flores locais mostrou-nos que tínhamos começado um projeto único, provando que era realmente o primeiro projeto do género na nossa região.
Desde então, o projeto evolui a cada ano com diferentes tendências e focos. No inverno passado, o João e a Gleici, que trabalham a tempo inteiro no campo, cuidando de todas as necessidades e colhendo de acordo com os nossos planos de eventos, prepararam uma nova área de meio hectare para se concentrarem no cultivo de dálias. 50 tipos diferentes de dálias enfeitaram os campos este verão, com todas as formas, tamanhos e cores. É difícil não ficar hipnotizado… compreende-se claramente o que deve sentir uma abelha, atraída por este caleidoscópio de cores.
As flores de jardim britânicas são sempre um ponto fraco para Ann e James quando decidem o que plantar. As rosas são quase sempre as preferidas para a maioria dos amantes de flores e a nossa gama de rosas David Austen dão aquele toque romântico intemporal à maioria dos nossos arranjos de casamento.
Falemos de estilo…
Sentada do outro lado da bancada de trabalho da Ann e da Sandra, mal as consigo ver por entre as flores. Um mar de cores, formas e texturas, a descansar nos seus baldes de água fria, à espera pacientemente de serem “tecidas” nos arranjos do dia seguinte. Colocou-se a questão do estilo; como é que a Ann e a Sandra escolhem? Com que espécies de flores gostam mais de trabalhar? Como é que combinam a sua criatividade com as exigências dos noivos?
Sandra, portuguesa local, mãe de quatro filhos, que começou a trabalhar na Quinta logo após a pandemia, admite que as dálias são, de facto, um verdadeiro amor.
A natureza suave e calma da Sandra reflecte-se na sua preferência por tons pastel, cores pêssego, branco quente e amarelo suave que está muito na moda nesta estação, com um toque de cor mais intensa – azuis suaves, um toque de roxo. A Ann, por outro lado, quando lhe pergunto de que flores gosta mais, não consegue escolher. Reage como se eu lhe tivesse pedido para escolher o preferido, dos seus sete filhos. Em vez disso, menciona diplomaticamente o seu amor por cosmos caprichosos, rosas reais, ervas aromáticas selvagens, zínias arquitetônicas e hipnotizantes e combinações de cores invulgares.
A Ann descreve o seu estilo como uma cópia da natureza. Se uma flor cresce na natureza, se trepa ou se se arrasta, há que imitar isso nos arranjos. Para o bouquet da noiva, a Ann vai ao campo e escolhe ela própria as flores. Escolhe flores com uma certa estrutura, escolhendo-as com base na forma como se inclinam e já imaginando como se vão comportar e encaixar no trabalho final. Este bouquet em particular é, naturalmente, uma responsabilidade imensa e, por isso, é muitas vezes feito na noite anterior para dar tempo de o alterar, se necessário. Tal como um vinho precisa de tempo em garrafa, a Ann prefere sempre fazer o bouquet na noite anterior – deixando as flores a repousar e à vontade a cumprimentar os seus novos vizinhos.
Tanto a Ann como a Sandra defendem a paciência e um estado geral “zen” para criar um arranjo de flores bem sucedido (como se fosse de propósito, “Moon River” de Carla Bruni está a tocar enquanto elas me dizem isto). Não pode ser apressado. Não se trata apenas de dar espaço ao seu estilo criativo, mas é necessária muita consideração do ponto de vista logístico. A engenharia dos arranjos é primordial; onde é que a gravidade puxa, quanto tempo é que as flores têm de se manter frescas para eventos no interior ou no exterior, quanto vento se faz sentir nesse dia, se o arranjo tem de ser transportado para a igreja ou para outro local, o que é que pode ser reutilizado dos arranjos para o dia seguinte na nossa sala de provas de vinhos ou nas casas de hóspedes. É realmente uma enorme quantidade de trabalho e são necessários muitos outros membros da nossa equipa para apoiar a área das flores da Quinta; desde renovar a água em baldes para manter as flores frescas de um dia para o outro, até aceder a escadas de 10 metros de altura para fixar “Nuvens de Flores” no nosso Salão principal.
As flores e a comunidade
Como muitos sabem, o Festival da Nossa Terra, em outubro, angaria fundos para a comunidade. Com este valor já foi possível ajudar a fazer um novo campo de futebol, outras vezes para a plantação de árvores em toda a aldeia de Gradil, ou para a renovação da capela de Sant’Ana, para citar alguns exemplos. No ano passado, reservámos um montante para ser utilizado pelo Apoio Domiciliário, uma organização que cuida dos idosos da aldeia.
O dinheiro que conseguimos foi encaminhado para 30 a 40 idosos que, no seu aniversário deste ano, receberam um grande ramo das nossas flores, juntamente com um mimo – uma ida ao cabeleireiro, uma massagem, uma pedicura, uma garrafa de vinho ou um par de chinelos – o que quer que seja de que precisem particularmente e que torna o seu dia mais especial. Pessoas com um verdadeiro carácter de comunidade, com quem Ann cresceu quando, em criança, corria descalça pelo Gradil.
É uma alegria ver os sorrisos que estas flores proporcionam, não só aos jovens casais que iniciam a sua vida em comum, mas também aos idosos, cujas dificuldades quotidianas são um pouco adoçadas pela cor e pelo aroma da natureza no seu estado mais magnífico.
Louise Ellett